“Ouço os gritos de uma criança, será que ninguém mais a ouve?”
A morte ronda-nos como uma abelha obsessiva, pronta para nos cerrar o ferrão.
Todos os dias vemos desastres a serem semeados por todos os espaços que lhe pertencem, agarramo-nos á nossa vida com unhas e dentes e não deixamos que nada nos aconteça.
Acreditamos na turva esperança de que “tudo está bem e assim ficará”.
Nunca sabemos o que nos espera…
«O vizinho do lado matou a filha de três anos e, uma vez mais, ninguém se apercebeu do que se estava a passar.
Ninguém soube salvar uma inocente criança que gritava do outro lado de uma parede, ferrava as unhas na porta e engolia as lágrimas que lhe fluíam pela face abaixo.
As televisões estavam demasiado altas, os vizinhos riam e jantavam, as crianças brincavam e a música pairava pelo andar acima enquanto a criança morria mais um bocado…e mais um pedaço. »
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«Um bebé de nove meses morreu de fome e sede enquanto a mãe procurava mais uma doze para saciar o seu vício.
O bebé ficou imensos dias sem ser alimentado, chorava e berrava, mas ninguém o acudia.
Gatinhou até á porta, chorou e gritou até ficar sem ar…mas ninguém o ouviu.
Os moradores do prédio só chamaram a policia quando o bebé já se encontrava em decomposição.»
A televisão aparece em força, as hienas do mediatismo adoram cenários macabros.
Centram-se no horror e esquecem-se das vidas em jogo.
A raiva e o desalento consomem-me.
O que será mais importante?...o sanguinário ou a vitima!?
A sociedade é tão criminosa quanto um assassino.
Procuram-se heróis e culpados, esquecem-se os inocentes e mortos.
Sim, estas notícias enchem os jornais e as revistas, um panorama que vende milhões, acrescenta picante ás audiências dos telejornais e oferece fama aos “doutores” e “mestres” que nos querem sossegar “analisando” a situação.
As velhas dizem que “deus não existe” e que o mundo é muito injusto.
Expõem-se mais meia dúzias de imaculados no “quiosque” de horrores….o que se faz, o que se escreve, o que se diz…tudo isso corre na passerelle e é dito para toda a gente ouvir.
A elite abre a boca chocada, e finge estar perturbada.
Na televisão emolduram-se as mortes destes inocentes.
No fundo, estas pobres almas continuam mortas e nada adianta.
Ninguém as ouve…ninguém as sente.
Cada vez se ouvem menos e sofrem mais…
São as almas da amargura, os inocentes do quiosque de horrores e desgraças.
Onde moram os sonhos que não chegaram a nascer (?)
(isto revolta-me…isto chateia-me…isto magoa-me.)